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sexta-feira, 19 de julho de 2013

SÃO AS PESSOAS TRAFICADAS O CENTRO DA NOSSA AÇÃO OU O MOTIVO DE NOS MOVIMENTARMOS?


Estela Márcia Rondina Scandola


A pergunta central que poderíamos nos fazer é se no centro do nosso trabalho estão as pessoas traficadas ou, mais cotidianamente em nosso trabalho, poderíamos localizar onde estão essas pessoas nas nossas organizações e nos serviços de políticas públicas.
Considerar as pessoas como o centro do nosso trabalho significa reconhece-las como seres históricos, detentoras de direitos, sobretudo capazes de tomar decisões.
As vítimas do tráfico de pessoas, em geral, são apenas um elemento do processo penal. A sociedade, majoritariamente penalizadora, em que pese as garantias constitucionais e das convenções internacionais, a cada dia tem recrudescido na busca de penalizaçao de um violador. Esta visão binária, violador e vítima, encobre a responsabilização coletiva e complexa da situação de tráfico e diminui nossa capacidade de efetivamente enfrentar essa barbárie. Somente ouvindo atentamente as pessoas será possível compreender o conjunto de responsabilidades sejam elas coletivas ou individuais que as sujeitaram às situações de violência, insegurança, tráfico.
A condição de vítima transformada pelos processos penais, não reconhece direitos às pessoas, especialmente de participar do processo de decisão sobre sua vida. Na maioria das vezes, é apenas mais um elemento de uma pasta de documentos que segue pelos tribunais ou ainda e, no caso do atendimento, segue de serviço em serviço por meio dos encaminhamentos. Os serviços públicos padronizados em conceitos e procedimentos se contrapõem exatamente às necessidades de cidadãos autônomos. A cidadania torna-se um empecilho diante dos critérios de atenção e regras de funcionamento do Estado.
Estar em situação de tráfico de pessoas, não significa que as mulheres são seres vulneráveis. Significa que vivenciam as contradições do viver  com vulnerabilidades e fortalezas e, podem suplantar as vulnerabilidades quando tem suas fortalezas potencializadas que lhes permita participar decisivamente sobre a condução de suas vidas.
Poderíamos dizer, então, que as regras da sociedade hegemônica fazem com que muitas organizações enfrentando o tráfico de pessoas tenham este tema como o motivo de suas existências, no entanto sem ter as pessoas no centro da sua ação.
Organizações da Aliança Global contra o Tráfico de Mulheres - GAATW tentam um caminho diferente, centralizando suas ações na pessoa.
Ao revisitarmos várias de nossas experiências, percebemos que o atendimento às pessoas em situação de tráfico é uma porta de entrada para que componham conosco um aprendizado permanente de como enfrentar esse desrespeito aos direitos humanos. As pessoas que passaram por uma situação de tráfico têm o que ensinar e aprender e é nessa troca que vamos construindo uma ação mais consistente para o enfrentamento.
As “vítimas de tráfico de pessoas” são fundamentais para compreender os diferentes processos do seu viver que foram conformando um conjunto de determinantes e condicionantes que lhe imputou estar em situação de tráfico de pessoas.
         O acolhimento por meio de uma abordagem que leve em consideração o querer das pessoas em situação de tráfico é um importante primeiro passo. A escuta ativa, o respeito aos sentimentos, o atendimento das necessidades emergenciais, a proteção da sua vida e o não julgamento são elementos que vão determinar nossa continuidade da relação com as sujeitas ou vão finalizar o atendimento, a construção ou não de vínculos. O momento inicial da atenção vai determinar os caminhos que iremos percorrer: juntos ou separados; sujeitos ou objetos do nosso trabalho; pacientes ou cidadãos das políticas públicas.
         Escutar uma mulher no aeroporto, numa boite ou numa oficina de costura, em todos os lugares, o mesmo desafio: o caminho a partir do encontro de cidadãos.
No processo jurídico, uma grande quantidade de papéis falando das circunstâncias criminais, as mulheres podem compor a fala dos direitos das vítimas, se consideradas como centrais na garantia dos direitos. Isso inclui aquelas que injustamente compõem a lista de acusadas ou consideradas coniventes de crimes e, por ação das políticas públicas, como as polícias, tiveram suas vidas arrasadas e comprometidas publicamente.
Na defesa jurídica, considerar as pessoas em situação de tráfico como sujeitas, pode alargar o pensamento jurídico penalizante em direção à responsabilização ampla, incluindo agressor, Estado e sociedade. A pessoa traficada exercendo seus direitos civis, trabalhistas e penais é um exemplo de autonomia, resistência e reivindicação em que a vítima toma para si um papel ativo de autor na esfera jurídica.
Nesta possibilidade das vítimas jurídicas se tornarem cidadãs de direitos,  será possível denunciar a trama institucional excludente, machista, criminalizadora da pobreza e da sexualidade liberta.
No trabalho educativo, a radicalização necessária do método de educação popular, não há lugar para um saber acadêmico que se sobrepõe ao saber de quem vivenciou uma situação de tráfico. Envolver pessoas        nas nossas organizações que viveram situações de violência nas suas vidas, parece aos nossos olhos, uma ação da rotina. Porém, para o conjunto da sociedade pode parecer a desqualificação da equipe, o perigo de não ser sério o trabalho. Manter essa nossa posição parece ainda um grande desafio se considerarmos o corolário de pré-conceitos que pairam sobre as pessoas em situação de violência que, na maioria das vezes, passam de vítimas a culpadas.
Na incidência política, considerar a participação das pessoas que são partícipes destes mesmos direitos no nosso trabalho, confere a estas o nosso reconhecimento que necessitamos deixar de ser intermediários nas conquistas de direitos. Mais que isso, significa apostar na participação de organizações importantes como dos migrantes, das trabalhadoras sexuais, dos movimentos raciais, dos movimentos de mulheres, de crianças, dos povos indígenas.
Neste desenho, o protagonismo do enfrentamento ao tráfico de pessoas não estaria centrado apenas nas organizações da sociedade civil, mas no conjunto dos movimentos que fazem o contraponto das ideologias dominantes. As organizações colocando-se a serviço de potencializar os movimentos e o trabalho em rede para a atenção às pessoas em situação de tráfico como porta de entrada para a as redes de luta e brilho da cidadania.
Por fim, se estamos considerando então que são as vítimas (juridicamente falando), sujeitas cidadãs que tem potencialidades para construção das nossas histórias coletivas, o eixo pesquisa, presente em praticamente todas as nossas organizações, só tem razão de ser se levar em conta que o método é fundamental e precisa considerar os sujeitos sociais.
As sujeitas da pesquisa não podem ser um item da formalidade dos projetos de pesquisa, mas o rol de pesquisadoras. Pesquisa-ação, pesquisa participante constituem-se em desafios e formas de transformação dossujeitos de pesquisa em sujeitos na pesquisa. É transpor o conhecimento acadêmico para um conhecimento que brota da realidade vivida, pensada e organizada para dispor aos demais da sociedade.
São suas experiências de vida que constroem novas bases de conhecimento sobre a realidade do tráfico de pessoas que, por vezes a academia, tão repleta de regras e métodos, não consegue apreender o real porque lhe escapam os códigos encarnados na complexidade dos direitos violados e os significados e significâncias que só são possíveis de serem apreendidos por quem os domina com a própria história.
 Não se trata, desta forma, de pautar a nossa ação no aprofundamento do fosso entre o que temos de políticas públicas e seu distanciamento das pessoas em situação de tráfico, mas construir pontes e atalhos que permitam que encontros possam ser estimulados. Mas, fundamental e definitivamente, que nenhuma política possa continuar sendo feita sem que os destinatários dela sejam o centro do processo de construção participativo.
O nosso papel de sociedade civil,  de estar sempre a frente do que está sendo viabilizado pelos Estados Nacionais, pela capacidade criadora, de denúncia e de pressão, nos permite sonhar que outro mundo é possível, necessário e, em algumas poucas ilhas de cidadania, já está sendo vivenciado.
A Convenção contra o Crime Organizado e seus protocolos, entre estes, o Protocolo contra o Tráfico de Pessoas (Protocolo de Palermo) é a marca legal internacional que orienta as políticas públicas na maioria dos países. Tanto nacional, quanto internacionalmente, o seu conteúdo e implementação precisam de controle a partir da sociedade civil.  Neste controle, com a participação das pessoas em situação de tráfico, reside o nosso desafio neste momento em que se avalia e monitora a ação dos Estados-parte e das organizações multilaterais para  implementar suas determinações e compromissos assumidos.
Entre as diferentes possibilidades que temos de construir um monitoramento do Protocolo, sem dúvida, a primeira, é torna-lo conhecido às pessoas e às organizações de base. Atualmente sabemos que há uma sociedade civil global que participa das atividades das diferentes instâncias da ONU. No entanto, milhares de pequenas organizações que estão fora dessa inclusão globalizada sequer têm conhecimento da existência ou das possibilidades de utilização do Protocolo de Palermo como instrumento de garantia de direitos a vítimas do tráfico de pessoas.
Definir mecanismos de monitoramento do Protocolo de Palermo com enfoque nas pessoas em situação de tráfico, significa ouvi-las em todas as instâncias dos processos de consulta, sobretudo envolve-las em processos de avaliação que considere as diferentes falas dos Estados-partes em toda a sua complexidade: governos, organizações da  sociedade civil, incluindo aí a oitiva direta das pessoas e procedimentos que consigam confrontar discursos contraditórios tão necessários na avaliação de políticas públicas.
Para a definição de mecanismos de monitoramento e implementação do  Protocolo de Palermo é necessária a definição de papéis, processos e, o mais importante, metas que comprometam os diferentes segmentos sociais para que o monitoramento não seja apenas de documentos mas considere a vida das pessoas, os impactos que sofreram com as medidas anti-tráfico e as ações que foram implementadas pelas políticas públicas.
É importante que o monitoramento incorpore a participação autônoma das organizações da sociedade civil, considerando, inclusive que, em muitos países, isso pode significar retaliações contra essas mesmas organizações. O monitoramento pode e deve ser um momento de avanço no olhar sobre a nossa realidade e no re-desenho de políticas e ações que incorporem a garantia dos direitos humanos como o marco do enfrentamento ao tráfico de pessoas.

Em todos os processos, há que se considerar que é na ação dos países que vão se configurar as diferentes instâncias de participação da sociedade. Os procedimentos internacionais e nacionais devem estar alinhados nos mesmos princípios consignados pelos avanços democráticos conquistados pela sociedade

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Enfrentamento do Tráfico de Pessoas: uma questão possível?


Maria Lúcia Leal e Maria de Fátima Leal

1 Profª Drª do Departamento de Serviço Social da Universidade de Brasília, Coordenadora do Grupo de Pesquisa Violes/SER/UnB e Coordenadora Geral da Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil – PESTRAF, 2001.
2  Pós-graduada em Saúde Pública (UFRJ, 1984), Bacharel em Biologia (UnB, 1977), Professora Pesquisadora do Grupo Violes/SER/UnB, Coordenadora Geral da Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescente para fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil – PESTRAF, 2001, Diretora do Jornal EntreBairros/RN


O tráfico de pessoas para fins de exploração sexual tem suas raízes no modelo de desenvolvimento desigual, do mundo capitalista globalizado e do colapso do Estado, não só do ponto de vista ético, mas, sobretudo pela diminuição do seu potencial de atenção à questão social.
Nesta perspectiva, tratar do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual exige que se tenha a convicção de que é necessário fortalecer a idéia da globalização do desenvolvimento e crescimento para todos e da globalização dos direitos humanos. Essa concepção orienta o enfrentamento da questão para a construção de um contra discurso hegemônico, repensando as diferentes práticas que emergem da relação Estado e sociedade.
Se esse contra discurso for assumido como um dos lugares centrais na defesa dos direitos humanos, a globalização dos direitos humanos só pode se constituir como um discurso real e não ideológico, se refletir as contradições entre desenvolvimento desigual do crescimento das economias das sociedades contemporâneas e a barbárie social, tendo como uma de suas características a fragilidade e a parca autonomia dos Estados Nações.
Na última década, a globalização  era vista apenas como sinônimo de extrativismo, exploração e dominação, mas é importante incorporar, também, a esse conceito, um discurso procedente de uma prática contra-hegemônica de enfrentamento do tráfico de pessoas, como cultura política de pensar a construção de conhecimentos e direitos, através da valorização de vários saberes que emergem da luta de diferentes setores da população mundial (movimento de mulheres, crianças e adolescentes, negros, homossexuais, trabalhadores da cana de açúcar, bóias frias, trabalhadoras do sexo, etc.).
Essas questões não estão resolvidas mundialmente, pelo contrário, a própria globalização de mercado e o neoliberalismo têm fragilizado e vulnerabilizado sujeitos violados sexualmente, seja pela precarização da relações de trabalho, seja pela baixa inclusão nas políticas sociais ou por um discurso legal, ainda moralista e repressor, que favorece a impunidade e provoca pânicos morais.
Por outro lado, os movimentos contra-hegemônicos estão em processo de construção e fortalecimento da sua correlação de força e apresentam também uma série de contradições em algumas práticas que desenvolvem no enfrentamento do fenômeno, que às vezes não se sabe quem é governo e quem é sociedade.
Neste contexto, o enfrentamento do tráfico de pessoas para fins de exploração sexual é, sobretudo, uma questão de redefinição da correlação de forças existentes dentro dos Estados Nações e entre os blocos econômicos hegemônicos (países do Norte e da Europa) e os blocos econômicos dos países da América Central e sul Americanos e Africanos, numa perspectiva de mudança na concepção de proteção das leis de mercado entre esses blocos. Também, é importante rediscutir o pagamento da dívida externa dos países pobres para restaurar socialmente o poder social do Estado, por meio da ampliação do acesso da população às Políticas Públicas.
E, por outro lado, é importante objetivar novas condições de inclusão da massa de trabalhadores(as) no mercado de trabalho, na perspectiva de resgatar direitos perdidos e fortalecer novos contratos sociais que desmobilizem a lógica da exploração da força de trabalho em todas as suas expressões. Só assim, a crise social e a barbárie social poderão ser enfrentadas com objetividade e armas concretas para a construção de processos emancipatórios e a consolidação dos direitos humanos.
Outra tarefa política importante para enfrentar o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual é avançar nas mudanças das normativas nacionais e internacionais, avaliando os acordos bilaterais e tripartites já existentes, numa perspectiva de alinhar estratégias globais de políticas públicas e economias transnacionais de enfrentamento à pobreza, às desigualdades sociais e às diversidades culturais para globalizar direitos, cidadania, desenvolvimento e crescimento para todos.
O desafio da sociedade civil, do poder público, da mídia, da academia e das agências multilaterais, é o fortalecimento da correlação de forças em nível local e global, para interferir nos planos e estratégias dos blocos hegemônicos, a fim de diminuir as disparidades sociais entre países; dar visibilidade ao fenômeno para desmobilizar as redes de crime organizado; e criar instrumentos legais e formas democráticas de regular a ação do mercado global do sexo, a omissão do Estado e criar mecanismos competentes que inibam a ação do explorador.
Já é uma constatação, tanto em nível local como global, a frágil capacidade do Estado e do terceiro setor de romperem com a relação de exploração e opressão em que vivem as classes, raça, etnia, gênero, homossexualismo, transexualismo, dentre outros, em sua histórica realidade de subalternidade.
A tensa relação entre Estado e sociedade termina se transformando em um discurso ideológico de negociação entre os próprios grupos que estão hegemonicamente no poder, o que, de certa forma, enfraquece e despolitiza a relação da sociedade, quando enfrenta o Estado, através dos seus governos, na direção de defender e promover a emancipação das pessoas em situação de tráfico para fins sexuais.
Nesta direção, é preciso repensar a autonomia da sociedade civil e, claro não deixar de reconhecer que, mesmo com as contradições postas, no Brasil foi criada recentemente a Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, com a participação de alguns setores do Estado e da sociedade civil.
Atualmente está em processo a elaboração do Plano Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, objetivando viabilizar na prática a referida Política. Assim, é preciso repensar o atendimento e as práticas que hoje já estão sendo executadas no Brasil em relação à temática.
Não que se esteja descartando uma política de atendimento centrada numa assistência imediata, ela tem que existir, a exemplo das ações que já estão em execução no Brasil, pois é uma questão de direito assegurada. Entretanto, é importante que essas ações possibilitem, também, a construção de uma prática institucional capaz de fortalecer político e socialmente o sujeito explorado, numa perspectiva de fomentar uma consciência crítica que eleve esse sujeito à condição de cidadão. Essa deve ser a convicção da política de atendimento às pessoas em situação de tráfico para fins de exploração sexual, caso contrário, essas ações servem mais para alienar os sujeitos que para emancipá-los.
Uma política pública para o enfrentamento do fenômeno deve ter como estratégia fundamental - a articulação – entre as diferentes políticas e setores para implementar uma concepção multidimensional e intersetorial na esfera do público e dos movimentos sociais, o que certamente apressará os passos da política e o do próprio Plano Nacional.
Uma questão estratégica é viabilizar na prática um processo de informação, formação e capacitação continuada e permanente dos profissionais que atuam no enfrentamento do tráfico de pessoas na esfera pública e privada; promover uma forte mobilização da sociedade civil para criar uma política de informação e capacitação dos militantes e trazer para dentro do movimento as pessoas em situação de tráfico, visando fortalecer a defesa dos direitos humanos no contexto das políticas públicas por meio da politização dos sujeitos em situação de tráfico para fins de exploração sexual.
 Essa é uma das tarefas importantes para que um outro mundo seja possível de ser construído, isto é, com a participação política dos sujeitos violados, e não somente pelos setores técnicos burocráticos do Estado e da sociedade civil.
É importante, ainda, entender que este tema está imbuído de visões conservadoras, principalmente por se tratar de uma violação relacionada à sexualidade e formas distintas de prostituição, assunto de âmbito privado que, culturalmente, esteve sob uma racionalidade moral-repressiva, objeto de tabu e de discriminação pela sociedade e suas instituições. Tratar publicamente esta temática requer confrontar os diferentes projetos de sexualidade e sua relação com a violência sexual e com os projetos societários, inclusive os projetos relativos ao crime organizado.
A nossa tarefa é, então, ousar na formulação de uma concepção emancipatória para fundamentar a direção política e cultural da sociedade, em relação à sexualidade, à economia e à política.
 Esta compreensão possibilitará o fortalecimento de classes, de grupos étnicos, afrodescendentes, mulheres, crianças e adolescentes, homossexuais e demais relações societárias marcadas por violência, uma vez que devolve a este o lugar de sujeitos de direitos e a centralidade da construção histórica por respeito, oportunidades e direitos.
As pessoas são exploradas não somente para atividades sexuais comerciais (prostituição, turismo sexual, pornografia e tráfico para fins sexuais), mas também para o trabalho forçado e escravo (na agricultura, na pesca, nos serviços domésticos, na indústria e outros); extração de órgãos e para adoção, recriando formas tradicionais de exploração e sacrifício, constituindo-se em formas modernas de escravidão.
A compreensão do fenômeno e suas formas de enfrentamento no Brasil têm sido fundamentadas a partir de estudos e pesquisas desenvolvidos pela sociedade civil e universidades, em parceria com o governo. Nesse sentido, há que se destacar a importância da Pesquisa sobre Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para fins de Exploração Sexual Comercial – PESTRAF/2001, que aponta a existência do tráfico interno e internacional de pessoas para fins de exploração sexual, promovendo uma articulação em âmbito nacional e internacional por meio do conhecimento científico. Este, por sua vez, proporciona uma articulação entre teoria e prática, à medida que os parceiros conhecem o fenômeno e suas formas de enfrentamento, definem responsabilidades e compromissos para enfrentarem o tráfico de pessoas por meio de ações de mobilização em âmbito nacional, como comitês, CPMI, comissões, audiências públicas em âmbito municipal, nacional e internacional, visando a mudança da legislação interna (o que já ocorreu), a criação de Centros de Atendimento e Proteção às Vítimas, a criação de uma Política Nacional e Plano Nacional, dentre outras ações, demonstrando os avanços que o Brasil tem conseguido nesta temática.
Entretanto, para enfrentar o tráfico de pessoas para fins de exploração sexual, enquanto uma violação da Lei e uma afronta à dignidade humana, o grande desafio não é só incorporar os fundamentos políticos e teórico-metodológicos que possibilitem uma análise mais profunda e multidimensional do fenômeno, no Brasil e em nível mundial, a partir das questões socioeconômicas, culturais e de direitos; é preciso, sobretudo, ousadia para enfrentar esta questão, não apenas para demonstrar a crise da modernidade, da ética e da democracia, mas indicar que existe uma sociedade indignada com as respostas dos sistemas de produção e de valores e que acredita que outro mundo é possível.


quarta-feira, 3 de julho de 2013

A contribuição dos Assistentes Sociais

O Tráfico de Pessoas reflete o modo como a sociedade se organiza e os valores que a norteiam. Tudo é passível de venda, de comércio, essa é a lógica do capital, essa é a lógica que orienta a rede do tráfico de seres humanos.
Toda essa relação de exploração reflete claramente que este tipo de tráfico é uma das maiores expressões da ação ofensiva do sistema capitalista na vida dos trabalhadores, que precisando sobreviver, são submetidos a condições de migração e trabalho degradantes. Esta situação tende a se agravar em períodos de crise, uma vez que a exploração da classe trabalhadora como um todo aumenta nestas circunstâncias e as respostas do capital são mais ostensivas.
O Projeto Profissional dos assistentes sociais cujos valores e diretrizes são progressistas, democráticos, alinhados com os interesses da classe trabalhadora e conflitantes com as diretrizes impostas pelo projeto societário capitalista contribui com a reflexão das contradições postas pela ordem instituída e, sobretudo engendra em seu horizonte a perspectiva de construção de uma nova ordem societária.
Deste modo, uma vez que os assistentes sociais assumem um compromisso explícito com a classe trabalhadora, é fundamental estar alinhado aos debates que a afetam, como o tráfico de seres humanos. Um dos principais fatores que expressa a confluência da ação do assistente social com este debate é representado nos princípios fundamentais que norteiam a ação do assistente social, ao assumir a defesa intransigente dos direitos humanos e a recusa do arbítrio e do autoritarismo, conforme previsto no Código de Ética desta profissão desde 1993.
Esta afirmação ética evidencia para a rede de enfrentamento ao tráfico de seres humanos a grande importância e contribuição deste profissional na defesa e ampliação dos direitos humanos e fundamentais imprescindíveis ao fortalecimento da prevenção e assistência as vitimas desta ação perversa e criminosa, tornando estes profissionais sujeitos fundamentais para o fortalecimento do enfrentamento e debate sobre o Trafico de Pessoas nos diversos setores que atuam.
Embora em muitos casos a prática profissional seja constantemente tensionada pelo poder hegemônico ao exercício contrário do projeto ético-político, o assistente social deve reafirmar seu comprometimento a este projeto, potencializando sua atuação e sua importância enquanto profissional capaz de demandar respostas às necessidades humanas.
Diante de um contexto de mudanças presentes na sociedade contemporânea, com transformações no mundo do trabalho derivadas da reestruturação produtiva passou a ser necessário, segundo Iamamoto (1996), repensar o fazer profissional do Assistente Social, embora ainda seja a questão social o objeto de intervenção.

O objeto de trabalho (...) é a questão social. É ela em suas múltiplas expressões, que provoca a necessidade da ação profissional junto à criança e ao adolescente, ao idoso, a situações de violência contra a mulher, a luta pela terra etc. Essas expressões da questão social são a matéria-prima ou o objeto do trabalho profissional (2000, p.62).

O Trafico de Pessoas é expressão da Questão Social e um grande ataque a dignidade dos seres humanos. Suas causas encontram raízes em uma sociedade marcada pela desigualdade de distribuição de renda, a falta de serviços públicos de qualidade e abrangentes, na desarticulação de políticas sociais e na opressão das mulheres.
Logo, para atender demandas sociais como as que emergem com Tráfico de Pessoas e ampliar as possibilidades de seu enfrentamento, o assistente social deve estar atento à realidade para atuar na formulação e avaliação de propostas de políticas sociais. Sendo também um importante mediador no processo de universalização destas políticas e na defesa dos direitos sociais comprometidos com a classe trabalhadora e que possam ser acessados por ela.

É essencial também a produção de conhecimento em Serviço Social. Um dos maiores desafios que o Assistente Social vive no presente é desenvolver sua capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de preservar e efetivar direitos, a partir de demandas emergentes no cotidiano. Enfim, ser um profissional propositivo e não só executivo (IAMAMOTO, 2000, p. 20).


É decifrando a realidade dura, porém real do Tráfico de Pessoas e contribuindo para a construção de mecanismos que possibilitem seu enfrentamento, como as politicas sociais e os movimentos sociais, que se irá poder efetivar o direito de viver dignamente e livremente de milhares de seres humanos.